quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Órbitas Obscuras


Caminhava com passos tortos e pensamentos desgovernados entre corpos sem significado e uma orgia de barulhos. Às vezes arriscava olhar nos olhos desses corpos alheios e sempre encontrava dois assaltantes. Os olhos alheios sempre lhe pareciam dois invasores astuciosos que poderiam adentrar-lhe e descobrir quem ela era. E isso era algo que nem ela mesma fazia a respeito de si: olhar para dentro dela mesma. Tinha medo do que podia descobrir. Ela era um segredo que não fora revelado nem a si mesma. Assim, desviava os olhos rapidamente dos rostos alheios. 

Entre desvios, caminhava; faltava pouco para chegar ao teu destino. Mas qual era o teu destino? Ela tinha um? Por vezes se sentia uma carta sem destinatário. Até os astros poderiam ter se esquecido dela. Era uma ignorante em astrologia, sabia apenas que, segundo tal ciência, a posição dos astros interferia nos acontecimentos terrenos. Pensou então que os astros eram bailarinos que dançavam sem parar fazendo a gente errar os passos. 'A gente dá significado astrológico a algumas coisas e se fode terrenamente', pensava nos seus momentos de raiva e de constatações de perda. No mais, chorava, 'parecia tão astralmente combinado'. Concluia que não sabia dançar essa dança dos astros. Ou talvez o Deus não estivesse muito interessado com o que acontecia aqui embaixo e não estava a fim de brincar em organizar seus planetinhas. Ela falava muito "talvez", sua única certeza era a dúvida. 

Entre dúvidas cartesianas, caminhava. Os pensamentos tão desgovernados quanto imaginava que os astros deveriam estar lá no espaço celeste. Se a sua vida aqui era apenas uma imitação dos movimentos planetários, o universo então deveria ser um trânsito caótico. Mas então feito uma epifania veio-lhe a frase de Nietzsche à cabeça: 


"É preciso ter ainda um caos dentro de si 
para poder dar à luz uma estrela dançarina". 


 Assim foi tomada subitamente por um otimismo dançante - "Serei uma estrela bailarina e dançarei com os astros, mas serei eu quem guiará os passos". Teve uma súbita clareza de que o destino estava em seus pés. Como se tivesse um interruptor interno e alguém o tivesse ligado de repente. Já não caminhava, agora dançava em direção ao teu destino. Não sabia qual era, mas sabia que ele ficava mais em frente. É para lá que ela deveria ir. De repente, uma estrela caiu do céu. Deveria ser um sinal. De quê? Apanhou-a e a guardou no bolso. Estrela bailarina. E foi dançando entre as ruas celestiais e caóticas.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Aquários apertados


Observando aqueles peixes no aquário, condenados a nadarem entre aquele espaço limitado por paredes de vidro, sem irem além, vivendo em círculos, foi então que ela percebeu que ao contrário do que costumava dizer, ela não era um peixe fora do aquário, ela era um peixe dentro do aquário. Não indo muito além dessas paredes de vidro pelas quais via o mundo lá fora. Concluiu então que a sua relação com o mundo tinha tornado-se apenas de ver, e não de estar. Ela não estava mais no mundo. Estava no aquário apertado, tão cansada de seu reflexo nas paredes de vidro, que já não havia mais reflexo. Pensou 'será que os peixes se indagam  sobre o seu estar no aquário?'. Pois é tão triste. Habitada por tubarões interiores que a jogavam em águas escuras, desejou um dilúvio. Que um deus em posse de uma jarra enchesse o seu aquário até transbordar. Ou em posse de um martelo quebrasse as paredes de vidro. Tanto faz, apenas queria sair do aquário e nadar em outras águas. Ela queria o mar. Ela queria o maior. Ela queria estar no mundo. Pensava em como outrora teu aquário tinha sido maior. Ou como ela tinha tido a ilusão de que ele era maior. Mas tantas dores o apequenaram. É que além das paredes de vidros, havia outras paredes que a separavam do mundo. Ela não sabia comunicar-se com ele. Ela só sabia olhar. Embora, diversas vezes não entendesse o que via. Pensou então que talvez os peixes também não entendessem. Pensava que viver fosse isso: não entender. E tua incompreensão era tão vasta que desejava algo tão vasto quanto. Ela queria o mar. Sua natureza era o mar. Sua natureza era amar. E amar também era não entender.